sábado, 13 de dezembro de 2008

Grécia e Portugal: desigualdade, corrupção e falta de confiança nas instituições

Paralelamente à morte de um jovem de 15 anos às mãos da polícia grega, os “media” têm vindo a fazer eco do descontentamento sentido em camadas significativas da população que, aproveitado por elementos radicais, poderá ter contribuído para que se chegasse ao ponto em que estamos hoje na Grécia (insurreição nas ruas, manifestações em permanência, pressão para derrubar o governo de Kostas Karamanlis). Uma das razões apontadas para este descontentamento tem sido a distribuição muito assimétrica do rendimento na Grécia, ou seja, a existência de um grande fosso entre o rendimento recebido pela população de maiores recursos e aquela que menos aufere. Os dados da Comissão Europeia (“Social Situation Report 2007”, Maio 2008) confirmam efectivamente a Grécia como um dos países europeus com uma distribuição mais desigual do rendimento. Ainda assim, os valores da Grécia são ligeiramente melhores que os apresentados por Portugal. O nosso país apresenta o maior rácio da zona euro entre o rendimento recebido pelos 20% da população com maiores rendimentos e os 20% da população com menores rendimentos (clicar no quadro para aumentar):

Tem também sido referido o elevado nível de corrupção como um dos principais factores indutores de descontentamento na sociedade grega. Os dados da “Tranparency International” (“2008 Corruption Perceptions Index”, Setembro 2008) atestam a percepção da Grécia como um Estado muito afectado pela corrupção: entre 31 países europeus, a Grécia, com um índice de 4.7 num máximo de 10, só aparece à frente da Lituânia, da Polónia, da Roménia e da Bulgária. Portugal, também mal classificado, fica ainda assim na 19.ª posição, com um índice de 6.1 (clicar no quadro para aumentar):

Mas onde a Grécia fica verdadeiramente mal colocada, tanto em relação a Portugal como face ao resto da Europa Ocidental, é na confiança nas instituições, em especial nas duas que têm sido mais postas em causa nos últimos dias por aqui: a polícia e os políticos. Os dados apresentados abaixo, publicados pela GfK (“GfK Trust Index”, Agosto 2008), são particularmente reveladores. A percentagem dos inquiridos no âmbito deste estudo que diz confiar nos políticos não vai além de 13% no conjunto da Europa Ocidental e de 14% em Portugal. A mesma percentagem é, no entanto, de 9% na Grécia: o valor mais baixo de entre todos os países em análise, incluindo países da Europa central e de leste. Relativamente à confiança na polícia, os valores são particularmente dramáticos: só 42% dos inquiridos na Grécia diz confiar na sua polícia, um valor 20 pontos percentuais inferior ao 2.º pior resultado da Europa Ocidental (França), 33 pontos percentuais pior que os 75% de Portugal (mesmo valor para o total da Europa Ocidental) e apenas superior aos números apresentados pela Polónia e pela Rússia! A Grécia apresenta, de resto, valores consideravelmente inferiores à média da Europa Ocidental para os níveis de confiança em outros agentes fundamentais para o funcionamento regular da sociedade: médicos, professores, forças armadas, advogados e gestores (clicar no quadro para aumentar).

Os elevados níveis de corrupção da Grécia podem pois estar a contribuir para cristalizar uma distribuição bastante desigual do rendimento disponível. Mais: têm minado a confiança dos cidadãos no seu Estado, levando a um cepticismo generalizado e extremo face ao funcionamento das instituições. À luz destes factos, a explosão anarquista registada nos últimos dias na Grécia, detonada pela morte do jovem Alexandros Grigoropoulos, parece mais fácil de entender.

P.S.: Uma ressalva que tenho que referir aos meus colegas gregos sempre que comparo a Grécia e Portugal. A minha imparcialidade não é afectada pelo sucedido num certo Junho de 2004, em Lisboa. Pelo menos de forma consciente.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

"Ta Episodia" * [actualizado em 6 Jan. 09]

Sucursal Millennium em Iraklio, Creta. Foto da "Athens News Agency" publicada em 8 de Dezembro de 2008 no site do jornal grego "Kathimerini", com a seguinte legenda:

"Καταστροφές και πορείες μαθητών σε Αθήνα και άλλες ελληνικές πόλεις - Σοβαρά επεισόδια σημειώθηκαν και στο κέντρο του Ηρακλείου κατά τη διάρκεια της διαδήλωσης που πραγματοποιήθηκε για τον αδικοχαμένο 15χρονο."

Tradução: "Destruição e manifestações de estudantes em Atenas e outras cidades gregas - foram também registados incidentes graves numa manifestação em Iraklio em memória do jovem de 15 anos morto [pela polícia]."
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Fui recolhendo no fim deste “post” uma série de “links” para informação relacionada com os confrontos de Dezembro de 2008, aqui na Grécia. Privilegiei naturalmente a fotografia: uma vista de olhos pelo resto do blogue e percebe-se porquê; incluí também informação publicada pelos “media” gregos, com uma perspectiva mais local dos acontecimentos, ainda que me tenha forçosamente restringido às traduções para inglês, no caso dos textos; “linkei” ainda para agências e “media” internacionais de referência (BBC, The Economist, Reuters, Financial Times) que, na generalidade dos casos – e no da BBC, em particular –, cobriram com alguma profundidade os acontecimentos.

A abordagem dos “media” portugueses foi, em regra, mais superficial. Os principais órgãos de comunicação não tinham à data correspondentes na Grécia, pelo que a informação divulgada na maior parte dos casos não foi além de uns resumos meio insonsos dos “feeds” das agências internacionais. Exceptuou-se a RTP, com um enviado especial a partir do quarto dia dos confrontos. Incluí, ainda assim, os “links” nacionais que considerei mais relevantes.
Acrescentei também um “link” para a entrada na Wikipedia sobre este tema: uma fonte quase inesgotável - e em crescimento - de dados e de informação.

Para mais tarde recordar.
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Fotos:
BBC2
Reuters
Financial Times
Portugal Diário
Rádio Renascença
Último Segundo (Brasil)
The Boston Globe (obrigado, Marta)

Informação local em inglês:
Site da rádio/televisão estatais gregas (ERT).
Site da Athens International Radio (AIR); emissão online em inglês, francês e outras línguas (não inclui português) aqui.
Agregador de notícias da ERA (rádio internacional grega) e da Athens News Agency.

Vídeo no site grego in.gr, 9 Dez. 08.

BBC:
7 Dez. 08: Greek police shooting sparks riot
7 Dez. 08: Student speaks of Greece 'carnage'
8 Dez. 08: Fresh rioting hits Greek cities
9 Dez. 08: Protests flare in Athens
9 Dez. 08: Protests as Athens funeral held
10 Dez. 08: Greek capital hit by major strike
10 Dez. o8: Greek voices: Protests and chaos
14 Dez. 08: Violent protests resume in Greece
5 Jan. o9: Greek unrest takes worrying turn

Um contributo da BBC para perceber como se chegou a este ponto: Rebellion deeply embedded in Greece
Uma outra análise cuidada da situação político-social grega pela BBC: Why Greek PM's job is safe for now
Outro artigo de "fundo" da BBC, com uma abordagem económica: Greek economy woes fuel backlash
Artigo de opinião do correspondente da BBC em Atenas, Malcolm Brabant, que destaca o papel dos jovens gregos nos incidentes
E mais um contribunto relevante do correspondente da BBC em Atenas: Riots push Greece to the edge (gosto particularmente do sentido de humor muito subtil - "typically British?" - deste senhor)

The Economist:
11 Dez. o8: The lessons of Greece's riots
11 Dez. 08: Disorder on the Hellenic street (se não pudesse ler mais do que uma análise sobre os confrontos, escolheria seguramente este artigo)

Reuters, 9 Dez. 08: Who was Greek teen whose death triggered civil unrest?

Financial Times:
9 Dez. 08: Athens haunted by spirit of student rebellion
9 Dez. 08: Greek wildfire

RTP:
7 Dez. 08 (vídeo 1)
7 Dez. 08 (vídeo 2)
9 Dez .08
10 Dez. 08

Wikipedia

* "Ta Episodia" = "Os Incidentes", expressão utilizada na Grécia para designar os acontecimentos de Dezembro de 2008.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

"This country takes everything too far"

Extracto do depoimento de um cidadão grego no site da BBC a propósito dos confrontos na Grécia.

"Nem mais", acrescento eu.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Tem razão?

"Se os deixasse [os clientes do BPP] com as calças na mão, os títulos na imprensa internacional seriam o de que um banco português não cumpriu as suas responsabilidades. Num universo de siglas, a poucos interessaria saber se o BPP pertence à mesma galáxia que o BPI, o BCP ou o BES."

Pedro Marques Pereira, editorial do Diário Económico, 2 Dezembro 2008
Artigo completo aqui.