domingo, 12 de outubro de 2008

O Barreiro

A quem o Barreiro diga alguma coisa, recomendo a leitura do editorial da "Pública" de 12 Out. 2008, por Ana Gomes Ferreira, aqui reproduzido. O meu pai também foi dos que teve que procurar outro emprego quando a CUF foi morrendo aos poucos; eu também já lá não moro. Mas, no meu caso, a memória e as visitas ocasionais que ainda lá faço (pelo menos) não deixam que o Barreiro evolua "para coisa nenhuma". Serei mais novo que a autora?

"Por culpa da CUF, o meu avô Tiago enganou a minha avó Elvira. Fugido de Arouca, instalou-se, nos anos 20, no Barreiro, que prometia emprego por muitos anos, e decidiu que já podia casar. Mal conseguiu, voltou à terra e usou um truque um bocadinho mau - prometeu-lhe que a deixava ficar com a mãe doente, mas mal se apanhou casado fez-lhe a trouxa. A minha avó coseu sacas na fábrica a vida inteira, o meu avô precisou de ganhar mais dinheiro e passou para a Siderurgia. Morreu asfixiado encostado a um muro da CUF, foi passear sem a bomba da asma. O meu pai, claro, foi trabalhar para as fábricas - queria ser desenhador, talvez arquitecto, mas gostava de jogar à bola e percebeu que o que ganhava na bola o deixava casar. Conheceu a minha mãe num jogo de futebol - ele foi jogar à terra dela, e ela que raramente lá ia - trabalhava-se na ceifa e morria-se de fome - estava lá e a ver o futebol. Foram inaugurar o Bairro Alfredo da Silva. Depois as fábricas foram fechando, o meu pai ficou sem emprego, o Barreiro deixou de ser o Barreiro. Agora a CUF fez 100 anos. Que resta dela e do que significou, do maior centro industrial do país, da luta operária que lhe esteve agarrada, do modo de vida das famílias? Quase nada, ninguém se lembrou de fazer um museu a sério. A memória ainda lá está, mas por pouco tempo - ninguém se lembrou de fazer um arquivo das memórias dos operários, dizia há semanas a investigadora Ana Nunes de Almeida. Os operários vão morrendo. As famílias dispersando. Eu já lá não moro. Porque, nos meus afectos, o Barreiro evoluiu para coisa nenhuma. É difícil explicar. Mas há uma palavra, angolana, que define bem este vazio que sinto: deixaram desacontecer 80 anos de Barreiro."

1 comentário:

Gata Verde disse...

Mal eu sabia em pequena,que seria no Barreiro que iria encontrar a felicidade...

beijocas