Crónica de Paulo Moura no Público de ontem:
"Numa das minhas primeiras viagens pela Europa conheci duas portuguesas, de Benfica, e pensei que fosse divertido andarmos juntos. Quando chegámos a Roma, fiquei fascinado, mas elas só diziam: "A mim, quem me tira Lisboa, tira-me tudo."
Descemos depois até Nápoles, atravessámos de barco para a Grécia, entrámos na Macedónia e, daí, dirigimo-nos à Turquia. As minhas companheiras divertiam-se, mas, depois de termos visitado Atenas, Salónica e Istambul, acabavam sempre por proferir a frase fatal: "...mas a mim, quem me tira Lisboa, tira-me tudo."
Eu também gosto de Lisboa. Gosto da luz e do caos, da água e do devaneio. Gosto de viver aqui. Mas, quando estou fora, não penso muito em Lisboa. A viagem, para mim, é uma experiência mediúnica. Serve para sair do corpo, para me transportar, não apenas para os lugares onde vou, mas para territórios verdadeiramente estrangeiros. Sítios tão estranhos, que eu próprio me torno estranho.
Não há sensação como essa. É doce, plena, luxuriosa. Embora um pouco pateta. Não há nada de transcendente em Roma, Atenas ou Istambul. Nem sequer em Bagdad, Grozni ou Cabul. Ou menos ainda nestas últimas. Quem vive lá, acha geralmente esses locais enfadonhos, ou mesmo insuportáveis. As pessoas com quem mais me identifico nos locais com que mais me identifico são as que querem fugir de lá. Como o explicar?
É duro admitir isto, mas não há qualquer relação entre a beleza dos lugares e a paixão que sentimos por eles. Ou melhor: há. O nosso fascínio é tanto maior quanto mais horrível é o sítio. É nas paragens verdadeiramente hediondas que sentimos a emoção, o enlevo, o frémito da aventura. Tal só é possível porque acreditamos nos mitos mais estúpidos. O deserto, por exemplo. Como é que nos deixámos convencer de que aquilo é interessante? No deserto só há areia e bichos, muito calor ou muito frio. Quando há humanos, há problemas. Quem lá habita não pára de se queixar. O mundo árabe é belicoso, dictatorial, discriminador das mulheres, a África é pobre, suja, doente, violenta. Até as praias tropicais, ou são miseráveis ou um inferno de turistas. Não há nenhum lugar que realmente valha a pena. E se há algum a que não falte nada, falta-nos a vontade de o visitar.
Para que sair, portanto, de casa? Mal por mal, fiquemos quietos. Amemos o que é nosso. É o que fazem os minimamente sensatos. Os muito sensatos, porém, não se dão ao luxo de serem tão passivos: viajam para confirmar que a sua terra é a melhor de todas.
Era o caso das minhas companheiras portuguesas. Percorriam os países de lés a lés, calcorreavam as cidades, e, no fim, diziam: "Gostei muito, mas a mim, quem me tira Lisboa..."
Eu não aguentava aquilo. Impedia-me de viver a minha viagem, não sei porquê. Era como querer levantar voo mas ter uma âncora no pé.
Foi em Istambul que as abandonei, e só depois consegui realmente compreender a cidade. Ou acreditar que compreendia. Percebi também que é difícil encontrar bons companheiros de viagem. Viajo quase sempre sozinho."
sábado, 16 de fevereiro de 2008
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1 comentário:
Podem nao lhe ter tirado Lisboa, mas a julgar pela atitude, grande parte do cerebro ja tera partido para parte incerta...
Raios parta os teclados gregos sem acentos!!!
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